Quantas vezes, ao ler um livro, já nos deparamos com diálogos ou descrições enfadonhos e intermináveis que pouco ou nada acrescentam à trama? É quando bate aquela vontade irresistível de pularmos as páginas e, até os capítulos - que parecem não levar à lugar algum. Ainda pior, deixar o livro de lado esperando o momento mais "oportuno" para lê-lo. Isto ocorre quando certos "acréscimos" parecem prejudicar a obra desviando o foco central, tornando-a confusa ou sem sentido. Temos em mente que muitos de nós, em algum momento, se viu nessa situação, mesmo que depois tenha adorado o desfecho final.
Contudo, este NÃO é o caso do livro "O menino do Pijama Listrado".
Incrivelmente sintética, sem rebuscamentos exagerados, a obra exige do leitor um certo grau de conhecimento histórico para que, a partir deste, a imaginação se encarregue de construir a história e o perfil mental do pequeno Bruno - o explorador -, e de seu grande amigo do outro lado da cerca. Muito mais do que isso, os recursos usados pelo autor estão dentro do leitor, diretamente relacionados a cada histórico de vida e à própria formação do indivíduo. O que torna o recurso descomplicado da linguagem - tão complexo -, são as sutilezas intrínsecas à narrativa. É, assim, uma obra de "reticências"...
Personagens psicologicamente conflitantes entre si(1), conduzem e são conduzidos a um desfecho que se esperado por alguns, não deixa de causar impacto e nos fazer refletir a respeito do poder construtor (amizade / amor) ou destruidor das crenças humanas (as convenções e os seus fundamentalismos).
Deste modo, será sempre uma leitura que despertará sentimentos diversos ( Tal como Ilha do Medo e a Bússola de Ouro), e que cujo entendimento (ou não) passará pelo "conteúdo" pré-existente dentro de cada um de nós. As duas crianças resumem toda condição humana que, imposta, enraizada e se manifestando de formas diferentes nas culturas, reconta a eterna marca de nossa animalidade - a contínua luta por território e poder, justificados pela ultrapassada ideia de sobrevivência, submetendo à força, exterminando por meio das armas, da fome, da sede, por meio das palavras que segregam, erguem barreiras, num ciclo interminável de vinganças, onde o perseguido de ontem, torna-se o perseguidor de hoje. Os meninos - como símbolos de uma coisa muito simples - da vida humana -, sucumbem, tal como tantos outros sucumbem silenciosos, todos os dias, nos campos "abertos" e quase invisíveis do globo...
Notas
(1) Como em qualquer sociedade em mutação e cujo pêndulo social pode se voltar para o lado obscuro dos oportunistas, o que vemos são pessoas corajosas que enfrentam e "desaparecem" ( Fogem? Morrem? Possibilidades...), as que se mantêm coniventes - como a mãe do menino - ,que mesmo discordando opta por não se opor; outras que querem os louros diante da oportunidade de saírem da "mediocridade"( pois a concorrência estava, mesmo, sendo liquidada pela força e não pelo talento...) e se tornarem, dentro de seus padrões, "importantes". Lembrando o extermínio com fundamento em teorias como a do Darwinismo Social, a do Espaço Vital, as Lombrosianas... um amálgama bem (re)elaborado para convencer que o errado estava certo. O que se buscou mostrar foi que o curso da vida segue a vida, enquanto o curso dos homens opta por caminhos tortuosos para TODOS, inclusive para os "vencedores" do momento. As crianças souberam, enfim, administrar melhor seus sentimentos, suas crenças, superaram as diferenças, fizeram o que a humanidade deveria fazer. E, como símbolos do que poderia ser o futuro, morreram: tornaram-se sim, símbolos de um grande fracasso... do NOSSO FRACASSO.
Este texto é uma interpretação pessoal. Uma das infinitas "reticências" .