“ Nosso pensamento se baseia na ciência, mas o pensamento deles se
baseia na superstição. Se acredita em deuses, ayakashi e monstros,
então eles, de fato, existem. Não rejeito esse modo de pensar.”
Amatsuki /
Kon ( – episódio 3)
A
mitologia
japonesa -
tal como
a hebraica
(1) e
a grega
(2) -
, também
tem o
seu casal
de heróis
com suas
características,
tramas
próprias e
certos dramas
parecidos.
Só
relembrando
o que
alguns
autores
costumam
mencionar,
o “Adão”
e a
'Eva”
japoneses
enfrentaram
destino
semelhante
ao de
Orfeu e
Eurídice,
condenados
à
separação
e / ou ao
ressentimento
mais
profundo.
No mito
japonês da
criação,
Izanagi e
sua amada
Izanami
atravessaram
a Ponte
Flutuante
do Céu
para criar
na Terra
um reino
que, não
fossem as
“adversidades”,
teria sido
por força
de suas
vontades o
Paraíso
terreno.
O
relato
dessa saga
de transpor
o mundo
dos deuses
celestes
por sobre
um belo
arco-íris(3)
e atingir
o mundo
esquecido
dos mortais
criando a
Terra do
Sol
Nascente ou
Nippon,
dando-lhe
vida, alma
e
espiritualidade
encontra-se
no Kojiki
( 712
d.C) e
Nihonshoki
(720 d.C).
Estes dois
textos
antigos NÃO
são
considerados
sagrados,
apenas
descrevem a
criação
do mundo
pelo casal
celestial,
os irmãos
gêmeos,
filhos do
deus
Shinto.
Deles teria
surgido a
ilha do
Japão, a
sua
Natureza,
os kami,
que são
divindades
espirituais
combinadas
com grande
número de
forças e
essências
sobrenaturais
(4).
Mais tarde,
muitas
outras
divindades
foram
incorporadas
pelo
xintoísmo,
originárias
do budismo
e do
taoismo (5). É
importante
ressaltar,
entretanto,
que o
xintoísmo
tem a
sua origem
no Japão
recebendo e
adaptando
as
contribuições
estrangeiras
à sua
maneira e
necessidade
espiritual.
Em quase
todos os
animes
analisados,
em maior
ou menor
grau o
xintoísmo
está
presente na
vida
cotidiana
japonesa:
marcos ou
símbolos
como o
torii
(portal); a
shimenawa (
corda de
palha
trançada
para
proteger a
entrada do
templo); o
kamidana
(santuário
doméstico)
e outros,
referentes
à fusão
com as
demais
religiões
citadas(6).
Fica
evidente em
diversas
situações
que a
tradição
xintoísta
não
acredita
que haja
uma
dicotomia
absoluta
entre o
bem e
o mal,
sendo que
uma mesma
entidade
pode manifestar
qualquer
uma das
duas faces,
dependendo
das
circunstâncias.
Os exemplos
são
muitos.
Izanami, a
mesma deusa
criadora,
também
tornou-se a
kami da
morte e
a grande
mãe
destruidora
(7) após
a sua
partida
para o
Yomi; a
raposa,
símbolo
positivo
das boas
colheitas,
pode
tornar-se
por algum
motivo um
espírito
enlouquecido
trazendo
doença e
morte; os
espíritos
maus, os
que chamam
de onis
ou demônios
surgem a
todo momento como
personagens
tanto
quanto
ambivalentes
(8). Os
exemplos:
“Izanami
[sic] chegara
tarde
demais a
Yomi no
Kumi, o
Reino
Infernal.
Sua mulher
já fazia
parte de
um mundo
que não
era o
dele e
dava à
luz filhos
que só
trariam ao
mundo
morte,
aniquilamento
e
destruição.
Distraído
em sua
terrível
dor e
desconsolo,
Izanagi
ergueu o
facho da
lanterna
bem em
direção à
deusa que
voltou para
ele os
olhos
incrédulos.
_
Como pôde
quebrar a
promessa? -
ela
vociferou
em fúria
e,
voltando-se
às suas
bruxas
guardiãs
ordenou,
com voz
diabolicamente
distorcida
e
irreconhecível:
-
Cacem-no!”
(Considerar
o primeiro
nome como
Izanagi –
o varão
-, e
não
Izanami -,
como consta
no texto
original. “As melhores histórias da mitologia japonesa”, p.74)
Em
Amatsuki, a
raposa
Imayou
amargurada
pelas
lembranças
da árvore
sagrada
tombada
pelos
comerciantes
do vilarejo
torna-se
impura e
ataca os
humanos
tomada pelo
seu ódio.
( Capítulos 11 e 12. Em português: AnimaZone / Anitube).
Em
Shounen
Onmyouji a
figura
real e
histórica
de Abe
no Seimei
(9)
mistura-se
com as lendas criadas a seu respeito e,
novamente,
surge a
raposa ,
como uma
das formas
de um
deus /
fantasma, o
Touda,
também
chamado de
Guren e
de Mukkun.
Este
Shikigame
é visível
para poucos
e possuidor
de um
enorme
poder.
Comum no
folclore
japonês,
os
Shikigames
aparecem em
Nurarihyon
no Mago
(invocados
pelos
onmyoujis),
em Inuyasha
(por
Kikyou) e
outros.
Ainda em
Inuyasha, shippo é o yõkai raposa, enquanto que o próprio
Inuyasha, um hanyou (meio humano e meio yõkai) cão – outro ser
mitológico que aparece bastante. Em Amatsuki, Kuchiha é um Inugame-tsuki - "pessoa possuída pelo espírito de um cão". Yõkais lobos, tigres, aranha, serpente, híbridos e mononokes,
enfim, uma infinidade de entidades tornam o diferente / misterioso
aceitável, em grande parte com seus defeitos menores do que suas
virtudes. Os mais feios, muitas vezes, são os mais bonitos, tal como
os exemplos de Jinenji ( Inuyasha, episódio. 31); Kurumanosuke (Shounen Onmyouji, episódio 08); Aotabo (Nurarihyon no mago), não
existindo uma regra externa para o belo e para o feio e, sim,
interna: se luz ou sombra conduzindo as ações.
Guren - shikigame deus / fantasma. Um dos doze invocados por
Abe no seimei / Masahiro.
Nurarihyon no Mago e a onmyouji com os shikigames.
o mononoke Kurumanosuke - Episódio 8
Quanto
aos onis
nos animes,
ou são
monstros
disformes e
destruidores
ou têm
a
capacidade
de se
assemelhar
ao humano
possuindo
inteligência
e poderes
aguçados,
às vezes,
são mais
humanos
do que
os
humanos...
Do
mito
original,
continuando
o trágico
desfecho,
nasceram os
rituais de
purificação
externos e
internos,
isto é,
os ideais
que regem
os cuidados
com a
permanência
de um
ambiente
sagrado,
limpo, tal
como
espelho de
um coração
iluminado
pela
prudência,
pela
sabedoria,
pela
compaixão.
Izanagi:
“
Ao passar
por um
pequeno
riacho,
adentrou
para lavar
e expurgar
as
impurezas
infernais
da Kegareki
kumi (
Terra
Poluída)
que haviam
se
impregnado
em seu
corpo.
À
medida que
foi tirando
a armadura,
os
sobremantos,
a pulseira,
o elmo,
pentes da
cabeça e
demais
objetos
pessoais,
estes foram
se
convertendo
em deuses
e deusas.
A sujeira
fez
nascerem
inúmeros
deuses
perversos e
demônios
do mundo
vivo.
No
entanto, ao
lavar o
rosto, a
água-viva
deu origem
a nobres
e
brilhantes
Kami, para
trazer
equilíbrio
ao mundo.
Uma
magnífica
divindade
surgiu do
seu olho
esquerdo: a
poderosa
Amaterasu
Omikami,
deusa do
Sol e
a mais
importante
divindade
mitológica
japonesa e
precursora
da família
imperial.
Do seu
olho
direito
nasceu
Tsukuyomi
no Mikoto,
o deus
da Lua.
Do seu
nariz
nasceu
Susanowo, o
deus da
Tempestade
e do
Raio que
viria a
ser o
Deus [sic]
do Mar
e um
dos kami
mais
importantes
e polêmicos
do panteão
japonês, e
do qual
descenderam
os Tengu
(híbrido
de homem
e corvo)”.
(“As
melhores histórias da mitologia japonesa”, p. 77).
A
excelente
descrição
da autora
nos permite
compreender
ainda, além
do
nascimento
das
entidades
malignas e
dos onis
dentro
dessa
mitologia,
outro ser
muito
presente
nos
animes/mangás,
o Tengu
e, o
mais
importante,
o
surgimento
da kami
que teria
dado início
à dinastia
imperial,
justificando-a
do ponto
de vista
político.
Era o
reinado do
céu se
estabelecendo
sobre a
terra (10).
Susanowo,
o kami
prepotente
e rebelde,
recebeu
como
herança de
seu pai
não o
infinito
dos céus,
como os
seus irmãos
Amaterasu e
Tsukuyomi,
mas o
finito das
profundezas
escuras do
mar, o
que o
desagradou.
O pai
dos tengu
– yõkai
o qual
os samurais
acreditavam
que
descendiam
os ninjas
-, terminou
banido de
Takaamahara,
o Reino
dos Céus,
após
muitas
crueldades
e
desrespeitos
praticados
contra a
irmã (11).
O
tengu ou
homem-pássaro
está
presente em
Amatsuki,
Shounen
Onmyouji,
Nurarihyon
no
Mago/Makiu
e como
a raposa,
ora pode
ser
bondoso,
ora feroz
e
destruidor.
Dentro do
ponto de
vista
“político”
é possível
– ou
seja,
apenas uma
conjectura
-, a
associação
da figura
do Ninja
com a
do tengu
como uma
representação
da luta
entre os
irmãos
Susanowo e
Amaterasu
pelo poder
no céu
e na
terra (12),
sendo os
samurais a
força da
família
imperial e
de seus
muitos
vassalos.
Dai a
oposição
e a
constante
ligação
da “ordem”
com os
samurais e
do “terror”
com os
povos das
florestas,
os ninjas.
Pedimos desculpas pela demora nas publicações, entretanto, o trabalho de pesquisa sobre o material escolhido é complexo e muito rico. Por essa razão que dividimos em partes (até IV), de modo a esclarecer dentro do nosso possível o espírito que faz essa cultura, uma das jóias preciosas que compõem a Cultura no mundo.
A bibliografia completa constará na última publicação.
A bibliografia completa constará na última publicação.
Notas
1
-
http://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAnesis.
2-http://litteraplus.blogspot.com.br/2012/02/o-deuses-primordiais-na-mitologia-grega.html;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deuses_primordiais;http://pt.wikipedia.org/wiki/Chronos;http://pt.wikipedia.org/wiki/Reia.
3
- Alguns autores identificam a Ponte Flutuante do Céu como sendo o Arco-íris, que embora tenha muitas outras representações - de acordo com a cultura local -, neste caso pode surgir simbolicamente como ponte ou o arquétipo que representa a transição entre os diferentes mundos ou, mesmo, a união entre o Céu e a Terra, agora sagrada pela presença dos Kami e mais tarde, de seus descendentes ( Amaterasu e a origem da família imperial). Para mais informações: "Almanaque Ilustrado - Símbolos", p 202/203.
4
– “Conhecendo o xintoísmo”, p.26;
veja ainda:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Izanagi.
5
– Idem, p24. Vale a pena ler: http://os-olhos-de-ulisses.blogspot.com.br/2007/01/shinto-tudo-deus.html
6
– “A Essência do xintoísmo”, p54
e 67.
7-
“Conhecendo o xintoísmo”, p. 76.
8
– Idem, p26.
9-
Para entender: http://pt.wikipedia.org/wiki/Abe_no_Seimei;
10- Em essência, politicamente nada
diferente
dos
senhores
feudais do
ocidente
que se
apoiavam em
princípios religiosos,
quando
justificavam
o poder
que lhes era
concedido
de possuir
a terra e o poder político, por meio de teorias habilmente articuladas pela Igreja, detentora única do grande poder e a maior manipuladora da época. Veja também: http://www.coladaweb.com/historia/feudalismo; http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/feudalismo/feudalismo-5.php;
11-
“As
melhores histórias da mitologia japonesa”, p.83 e
94.
12
– Trataremos na parte II - B acerca do Feudalismo japonês.
Parte
II – B
:
Xintoísmo,
taoismo,
confucionismo,
zen-budismo.
"(...) na verdade, acho que este lugar está impuro. O espírito do kami não pode descer em um lugar assim".
(“A Essência do xintoísmo”, p.66)