Desenho: "Olhar Feminino",Fênix, 2010.
“  A imagem de Kitchener  nos cartazes, fisionomia severa, olhos de aço,  apontando o dedo diretamente para o rosto de todos. Fazendo propaganda  de guerra, vendendo-a como os sabonetes Pears ou White Manor Tea Shops.  E, é claro, os homens iriam depressa se apresentar à procura de um pouco  de agitação e aventura. As mulheres também...
MULHERES DA INGLATERRA,  RESPONDAM AO APELO
…  para serem preparadas como enfermeiras no Queem Alexandra's Imperial  Military Nursing Service, na Cruz Vermelha ou aprender o trabalho  traiçoeiro de colocar lidite nos obuses. Muito melhor do que servir  mesas e esfregar corrimões.”
(Quando os sinos se calam – Phillip Rock, 1979 / ficção ambientada em 1914)
A ironia da Guerra é ser um substantivo feminino, um símbolo masculino, de efeitos práticos drásticos para a humanidade...
O  início do século XX foi marcado pela surpresa de um conflito que,  embora tenha sido teorizado e nutrido ideologicamente entre as partes  opostas envolvidas, não fora de forma verdadeira esperado(1). Este  “inesperado” deflagrado sob a pressão das paixões e das febres  patrióticas, talvez, seja mais dinâmico e complexo do que a história  descritiva e polarizadora nos permitiu vislumbrar.
Foi  a morte de milhares de Seres Humanos, na Primeira Grande Guerra  Mundial, por questões políticas e econômicas  entre as “nações” (2),  o  elemento desencadeador da primeira reação contra os valores  tradicionais-patriarcais nas sociedades liberais democráticas. Diante do  flagelo real, o mundo entre guerras já abalado por mortes ou  humilhações sofridas, seja intra ou extra fronteiras, assistiu ao  surgimento e ao desenvolvimento dos regimes Totalitários e à explosão da  Segunda Grande Guerra Mundial. Buscou-se heróis e culpados para ambas, o  soldado permaneceu “soldado” e, como da outra vez, continuou  desconhecido. A mulher figurou entre os apelos e os homens morreram pela  pátria, a grande “mãe” fictícia.
Se  foi o pai, father ou fathers e, não os pais – parents – que ensinaram a  morrer ou matar o Outro visto sob juízos de valor, descaracterizados do  humano(3), ficava evidente que a Igualdade, Liberdade e Fraternidade  estavam longe de anunciar, como muito foi posto, o fim da opressão entre  os homens-irmãos, menos o faria em relação às mulheres.
Se  quisermos explicar a democracia e os direitos da mulher, a chave dessas  problematizações deve ser buscada na Revolução Francesa.
François  FURET,  em sua obra Pensando a Revolução Francesa, nos chamou a atenção  para dois pontos relevantes na elucidação deste trabalho. O primeiro  refere-se à “obsessão pelas origens” desencadeada pela construção da  “história nacional”(4). Dos Estados, no que tange à democracia, ela pode  ser observada nas contínuas convocações feitas ao sexo feminino,  principalmente durante os períodos de guerra - para que auxiliem o seu  país...
O  segundo refere-se aos recortes e compartimentações inventados pela  periodização realizada entre os acadêmicos franceses que, ao estudarem a  Revolução de 1789, limitaram-se a separar e rotular nominalmente os  acontecimentos entre “antes” - o feudalismo, a nobreza, o Antigo Regime,  a Idade Moderna -, e o “depois” - o capitalismo, a burguesia, a  democracia, a idade contemporânea – reduzindo e só em aparência,  explicando a história (5). À ideia de causa-efeito, critica CASTORIADIS  utilizando-se da terminologia “sinergia”, que para ele é a “concatenação  de fatos 'não relacionados internamente' mas coexistindo externamente  (sendo que) tais fatos, ou acontecimentos, provocam o aparecimento de  fenômenos situados em outro nível possuindo uma significação que de  longe transcende a de suas causas” (6). Dessa maneira, o fluxo e o  refluxo histórico não comportam regras definidas e a história - deveras  linear -,  não só deixou de ser o saber dos fatos que falam por si(7),  como também, “mostrou ser o campo onde emerge o significado, onde ele e  criado”(8). As sociedades e as instituições são históricas e  conjunturais, assim, como bem expôs em palestra(9)   Lygia Quartim de  Moraes, tudo é um “composto social”. Para exemplificar, dentro do nosso  ponto de vista, basta lembrar que no mercado do pós-guerra a mulher é um  indivíduo a mais na efetivação do circuito da  produção/consumo/mercadorias. E, ao abordar acerca do tema trabalho,  Quartim colocou que a grande diferença entre a revolta das mulheres da  década de 50 para cá (1995), é justamente o “desconforto” de uma dupla  jornada. Se a luta foi pela autonomia através do trabalho, sabemos hoje  que isto é uma falácia, porque as mulheres dos estratos mais pobres  sempre foram obrigadas a trabalhar, nem por isso livraram-se dos  afazeres domésticos ou sequer, tiveram o seu poder político e de decisão  reconhecidos. A “Panaceia do voto”, conforme Emma Goldmann, não trouxe a  tão esperada liberdade e só levaria as mulheres a o adorarem como a um  novo senhor (10)...todavia, ele já é um começo. Falta-lhes ainda, em boa  parte, é consciência para lidar com as entrelinhas dos discursos, dos  apelos emocionais “engrandecedores”  até meio “ufanistas”, com  os  estereótipos que se moldam sob outras formas e com os mesmos conteúdos.
Não  discordamos das virtudes primeiras da Revolução. Porém, da teoria à  prática há um grande espaço vazio a ser preenchido à posteriori, em  consonância com o dinamismo político, econômico, social e cultural  local. Os signos da Revolução devem ser decodificados para que deles, se  revele o que e a quem os direitos garantem e, por isso, são  garantidos...
Finalizando este tema, devemos advertir que nossa crítica não é, absolutamente, contra a democracia, e sim contra a aceitação passiva ou à tendencia atual de se desconsiderar as relações de dominação reelaboradas, mas ainda existentes e encobertas no interior do Contrato Original, Sexual e de Trabalho. As conquistas efetivas do gênero estão sendo trocadas, gradativamente, por posições de status e outras, similares às ambições masculinas. Valores idênticos são tomados como justificativa dessas ações, como é o caso da concorrência, da competitividade,
do individualismo, etc. O distanciamento do feminino, o auto-conhecimento, a auto-estima, as peculiaridades corporais, o exercício da sexualidade , muito recentemente vem sendo tratado em raros trabalhos como o de Rosiska(11), dignos de nota e de leitura. É um novo caminho. Basta, agora, que se ouse continuar a traçá-lo assumindo a identidade feminina e exigindo não do sexo oposto, mas de si mesmas, soluções e respostas: “Eu não sou O OUTRO”.
Notas
1 HOBSBAWM. Eric. A Era dos Impérios. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992, p. 418 - 419.
2 HOBSBAWM. Eric. idem idem, p. 421. O autor alerta sobre o desenvolvimento de uma cultura nacionalista, isto é, sobre a "inculcação do comportamento cívico apropriado", trabalhado ideologicamente junto às escolas primárias e ao serviço militar.
3 SEVCENKO. Nicolau. Disciplina História das Ideias. Curso ministrado no depto de História, primeiro semestre de 1996.
4 FURET. François. Pensando a Revolução Francesa. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, p. 16 - 17.
5 FURET. François. Idem, idem, p. 16, 17 e 27.
6 CASTORIADIS. Os destinos do Totalitarismo e outros escritos. L.P.M. Editores, Porto Alegre, R. S. , 1985, p. 8.
7 FURET. François. Op. cit. p. 26.
8 CASTORIADIS. Op. cit. p. 08.
9 MORAES. Lygia Quartin de . Simpósio Dialética - em Comemoração ao Centenário da morte de Engels. Exposição: Marxismo e Feminismo. Novembro de ano, 1995.
10 LOBO. Elizabeth Souza . Emma Goldman. Coleção Encanto Radical. Brasiliense, 1983, p. 35.
11 OLIVEIRA. Rosiska Darcy. Elogio da Diferença. Brasiliense, S. P.,
BIBLIOGRAFIA PESQUISA:
BADINTER, Elizabeth. Um é o Outro. Editora Nova Fronteira, R. J. , 1986.
CASTORIADIS. C. Os destinos do Totalitarísmo e outros escritos. L. P. M. Editores, Porto Alegre, R. S., 1985.
FURET. François. Pensando a Revolução Francesa. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977.
HOSBSBAWM. Eric. A Era dos Impérios. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.
LOBO, Elizabeth Souza. Emma Goldman. Coleção Encanto Radical. Brasiliense, S.P. , 1983.
OLIVEIRA. Rosiska Darcy.elogio da Diferença. Brasiliense, S.P.
PATERMAN, Carole. O Contrato Sexual. Paz e Terra, R. J., 1993.
TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracia na América. Companhia Editora Nacional - EDUSP.SP, 1969.
 Desenho: Babel - a meretriz, 2010.
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3 comentários:
hola ,
muy interesante , textos que dejan huella ! me encanta tu blog.
Mais uma vez um post que nos acrescenta muito.
Beijos.
Obrigada Cassini e Ju. Vocês me alimentam...beijos!
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