"(...) -Como eu gosto de você?

Eu gosto de você do jeito que você se gosta".

O Mundo no Engenho... e o ENGENHO do Mundo

domingo, 15 de agosto de 2010

M A T R I X é aqui.

Matrix, 1999, na "Caixa que fala".

 À jovem Juci Barros.

 "O que estou fazendo não está dentro das regras"
(Teddy Daniels - Ilha do Medo)

Vivemos a MATRIX.
Resta-nos saber de quem ou
Do que devemos nos libertar.


Houve um tempo em que muralhas, calabouços, torres e paredes continham os ânimos dos rebeldes, cumprindo as funções de "contenção" ou "proteção" a que se prestavam, fossem simbólicas. Descoberta a falha, tornaram-se ineficientes e outros modos de contê-los - mais sutis -, foram inventados e aprimorados, sempre em nome de uma "tal" ORDEM.
A arquitetura invisível é a mais perigosa. É ela que nos induz imperceptivelmente a auto-condenação e a um DETERMINISMO que se concretiza, à medida que ACREDITAMOS nele, com FÉ quase divina...

Querem entender os becos deste labirinto de Minos?

Vamos voltar ao assunto CINEMA. Quando pensei em “Demolições” busquei expressar por meio das palavras e de suas metáforas o que vivenciei à época e que hoje vivencio com um mal-estar triplicado: a idéia de um mundo / SIMULACRO. E muitos elementos de “Demolições” de 1993/4, revi na tela de MATRIX ( de 1999) anos mais tarde. Ora, não estava me sentindo tão controlada, sozinha. Em algum lugar outros falavam de outras formas a respeito dessa violência velada, enraizada e interiorizada como sendo o modo de vida “normal” e o " tipo Ideal" de SER. Recentemente, a ILHA DO MEDO me impactou e não só a mim, como a muitas pessoas, incrédulas com o desfecho magnífico do filme. Bem, mas por que falo de dois filmes tão diferentes? A mente é a palavra-chave. É o único elo entre eles e que revelará tudo o que têm em comum. Em MATRIX(1), a mente está aprisionada numa cela virtual que cumpre os propósitos de controlar o corpo, com a finalidade de dele se retirar a energia necessária ao funcionamento do mundo das máquinas – a “bateria”. É a evidência de um abalo, o descontentamento, a inquietude, o desprezo a ordem, enfim, é a perturbação incômoda que leva os agentes cibernéticos ao mundo da MATRIX: à caça ao HACKER. À perseguição de Neo e da Resistência – dita como organização terrorista -, e que está a buscar os seus potenciais combatentes entre as mentes ludibriadas por falsas memórias. Memórias plantadasmemórias residuais(2). São estes os elementos que constroem o enredo do filme e que nos permitem interpretar, de acordo com nossa própria vivência neste mundo nu e crú do REAL(?).
O acerto ou o erro? A vantagem ou a desvantagem? A mudança ou a mesmice? O sucesso ou o fracasso? O herói ou o covarde? A liberdade ou a escravidão? A pílula vermelha ou a pílula azul? As ESCOLHAS... seria impossível deixar de falar delas. A Neo, como aos demais, são ofertadas possibilidades delimitadas: a da MATRIX / SIMULACRO, ou a da Resistência / VERDADE. Ambas São difíceis de aceitar porque são a DESCONSTRUÇÃO (“Demolições”) de tudo que se acreditava como sendo verdadeiro e absoluto, até então. MATRIX é uma vida manipulada por máquinas e a Resistência é uma constante fuga aterrorizante pelo submundo dos esgotos, sob escombros de cidades, tendo a ciência de que em algum lugar há "Usinas" com culturas de humanos e, sem saber ao certo, quem são e como são os “novos”inimigos... é revelação demais para tão pouco tempo. Pior, para não ter mais volta à INOCÊNCIA. Ou, seria melhor dizer à doce IGNORÂNCIA? A liberdade apresentada é a escolha cega entre duas possibilidades. Não há outras opções. Só direcionamentos. Isto é muito importante para que possamos nos perguntar até que ponto somos livres quando nossas escolhas se limitam a fazer a opção “A”, “B” ou “C”, sem que possamos, por exemplo, “não fazer”. Quando somos forçados a decidir mesmo quando nada do que nos foi oferecido interessa, somos livres ou somos dirigidos?
Sim, no filme, Neo opta – mostra certa hesitação -, mas a curiosidade e a necessidade de transformar que já o inquietava e fazia DIFERENTE ( o Escolhido ) o empurra para a ousada mudança. Entretanto, para  Cypher a escolha não deu certo. Preferia a antiga ilusão – a memória plantada e residual nunca vivenciada pelo corpo real(3).
E pergunto outra vez: até que ponto minhas escolhas me fazem livre? Até quando o Sistema pode me causar, ou não, essa falsa impressão? Será ela pior ou melhor para mim? O que em nós foi interiorizado (plantado?) de tal modo a formar estruturas rígidas, porém, invisíveis, as quais percorremos despercebidos, crentes em nossa independência? Somos felizes com nossa consciência ou com nossa ignorância?
O patrão de Neo disse “ Você não aceita autoridade Sr. Anderson. Você se acha especial, como se as regras não se aplicassem a você. Chegou a hora de fazer uma escolha. Ou você escolhe estar na sua mesa no horário, a partir de hoje... ou, você escolhe achar outro emprego.” ( Alguém já ouviu isso antes?). Por outro lado, Cypher vê em Morfeu o mesmo autoritarismo e se revolta, por seus sacrifícios reais e pela perda da ilusão de MATRIX. Às vezes, esquecemos que do lado de cá da tela existem Neos e Cyphers vivenciando situações semelhantes. Quem somos? Ou não somos? Ou...
Finalmente, Neo / Teseu, por sua astúcia, venceu as memórias plantadas - inclusive a do medo,(4) a do DETERMINISMO alienante - e, por auto-determinação entrou no jogo e usou a própria linguagem deste(5) como instrumento para vencê-lo, mesmo que provisoriamente. Talvez, “o episódio” possa representar “um dia” de nossas vidas, pois em todos precisamos lutar e, nem sempre, conseguiremos vencer: pode ser mesmo, que o melhor seja naquele exato contexto, correr, como pregou Cypher.
O labirinto de Minos – a construção invisível social disciplinar, pré-fabricada – precisou ser demolida dentro, na mente de Neo / Teseu. E todos os dias descobrimos que é preciso derrubar alguma coisa para avançar e, tomar cuidado para não ficar preso, imobilizado sob os escombros dela...

E a ILHA DO MEDO?

Ambientação, recursos técnicos, enfoque... aparentemente NADA teriam em comum, como já foi dito, se não fosse a mente humana, a questão. A mente como elo, a sua manipulação / aprisionamento por meio de estruturas cuidadosamente elaboradas para isso.
Em boa parte do filme cremos que caminhará para um tema meio clichê, com um final esperado, depois de desaparecimentos, buscas, investigações... de repente, com maestria, alguns sinais que foram sendo deixados quase que de forma insignificante se unem dando forma ao quebra-cabeça, nos fazendo boquiabertos e perdidos diante das mais variadas hipóteses que se abrem em leque, a respeito da LOUCURA, das estruturas e suas finalidades para “contê-la” / apartá-la do restante da sociedade, da TORTURA psicológica, outra vez, do falseamento da MEMÓRIA, da indução ao erro(6), etc. Aqui, como em MATRIX,  Chuck deve escolher um lado e, prefere fazer a escolha mais conveniente, talvez, a menos perigosa. Em nome da própria liberdade?
O processo é de extrema importância para chegarmos a seguinte conclusão: nenhuma. Cada um interpretará de acordo com as próprias percepções, tendo gente que ficará extasiada como eu e, gente enfurecida, excomungando o dinheiro gasto com a entrada de cinema. Todavia, seria impossível fugir ao que parece a montagem de um esquema, no qual, a princípio, alguém precisa ser calado ou, no mínimo desacreditado para não oferecer riscos a um Projeto de Poder: um investigador xereta que não deveria se meter nos assuntos ultra secretos de Minos. Simula-se um desaparecimento; busca-se no histórico de vida do futuro acusado um ponto vulnerável; forja-se o ambiente, inclusive, administrando-se drogas(7) que poderiam levá-lo a certos delírios; num lugar já isolado – a ilha -, onde o medo(8) é uma constante de controle – um homem está apavorado com “A bomba de Hidrogênio”(9) e uma mulher não sabe direito se se acostumaria com a Televisão: " ...Vozes e rostos saindo de uma caixa”... o mundo fora tornou-se mais hostil do que o da ilha (... as sombras  projetadas na parede da Caverna?). Em suma, quando o individuo passou a duvidar da própria identidade e tomar atitudes confusas e descontroladas, pronto – tudo estava armado. Se não foi essa a intenção, valeu por nos relembrar que o Sistema pode ser cruel com aqueles que crêem em outros códigos de justiça e se insurgem contra a ORDEM, seja a MACRO ou a MICRO, estabelecida no interior das instituições e cristalizada como privilégios da cúpula e de seus membros. Na Microfísica do Poder, Foucault discute acerca dessas estruturas disciplinadoras que visam por na linha quem está fora( os Neos, os Cyphers, os Teddys... ) ou segrega-los e até eliminar os "diferentes", como já vimos e continuamos vendo em tantos exemplos da História ( a Matrix é aqui ).
Significativa é a frase final. Ela revela e abrilhanta com toda a sua simplicidade a trama e o drama do filme:

Este lugar me faz pensar. O que poderia ser pior? viver como um monstro ou morrer como um homem bom? ”.

Ali, o seu destino estava perfeitamente traçado(10)... que atitude seria maior loucura – a que tomou ou a que deixou de tomar?

...E o labirinto neste caso?

Depende de você leitor – você  crê que  Teddy / Teseu demoliu as estruturas ou passou a ser parte dela? Acha que ele ( Laeddis ) ficou louco e que toda aquela montagem foi feita para lhe tentar salvar a vida e ganhar créditos para a Instituição? Ou será que o Rei Minos venceu soltando os seus Minotauros ( os agentes da Ordem)?

Essa resposta não é minha... pensem. E escolham: a doce ignorância ou o incômodo sofrimento do saber?


1 - Matrix / Matriz - lugar onde algo é gerado. Útero, mãe.
2 - A primeira Matrix, segundo o agente cibernético, não deu certo, pois era como um Paraíso. A segunda não passava de cópia do que havia sido a "civilização" em 1999.
3 - Morfeu diz que oferece a verdade - a verdade  ( de Matrix) não é o real -, Matrix é um Sistema, uma inteligência baseada num mundo feito de regras, onde o corpo (a bateria) está separado da mente aprisionada e, que tem como lembranças uma vida não vivida. Entre as escolhas, Neo terá que "morrer", isto é, deixar de ser o que nunca foi, para poder ser quem resgatará Morfeu. Enfim, começar a traçar as suas próprias memórias.
4 - No elevador: "A colher não existe" - o medo de Neo, de altura, teria que existir?
5 - Usou a linguagem das máquinas - o código das máquinas - e sua previsibilidade. 
6 - O encontro com Solando na caverna e o "Tratado" daqueles que estudam como se pode reduzir o Outro a meras cobaias humanas.
7 - No café, nos cigarros, na comida, na bebida... sem saída.
8 -Aliás, como em Matrix.
9-Que criminoso interessante, não? Tantos conhecimentos para um enjaulado... seria um doente mental comum ou outro igual ao "socialista" Noyce que "de - repente" surtou? 
10 - A lobotomia: "O cérebro controla a dor, o medo, a empatia, o sono, a fome, a raiva. Tudo. e se pudesse controla-lo? Recriar um homem para que não sinta dor, amor, compaixão. Que não possa ser interrogado porque não tem memória para confessar (...)" - Ilha do Medo, Rachel Solando...

Aviso aos Navegantes:

Como o texto acima é uma interpretação pessoal, coisa que toda obra aberta permite que façamos fundamentados em nossas próprias leituras e experiencias, aqui não se tem a menor pretensão de ser “Crítico de Cinema”. Até porque o que se discute não são os filmes por si, mas, aquilo que suscitam ao espectador, a mensagem explicita ou subliminar, a linguagem(Forma / Conteúdo), o que deles se pode apreender e relacionar ou não com a vida real, e isto, num primeiro instante – pois que outras análises podem ser feitas e modificadas noutro momento. Desta forma, por aqui não há respostas: apenas perguntas.
Aquele que necessitar de informações técnicas e precisas, deve buscá-las nos sítios especializados.


Livros - leituras básicas:

FOUCAULT. Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
GHIRALDELLI JR. Paulo. A História Essencial da Filosofia. Volume 4, São Paulo: Universo do Livro, 2010.

Revistas

Filosofia ( Ciência e Vida). Ano IV, nº 42, Editora Escala, 2009.
Filosofia ( conhecimento Prático). Nº 17, Escala Educacional, s/d.

Edição foto: Matrix

4 comentários:

Juci Barros disse...

Bem, a princípio devo dizer que estou lisonjeada com a dedicatória,principalmente porque acho mesmo que os comentários devem instigar novos pensamento ou aprofundar pensamentos antigos enfim, criar mesmo!
Quanto a tudo que acabo de ler difícil acrescentar algo, pois foi um texto muito bem fundamentado, você usou um elo que considero fundamental na busca pelo Eu e em um melhor aproveitamento do que vivemos o que costumo chamar de o EU e o Outro: Arte & Filosofia. Em todas os questionamentos aqui apontados temos tantos outros implícitos:
Pensar e viver ou viver e pensar?
Viver e inventar ou viver o inventado?
Há alguma sabedoria na ignorância?
Estamos condenados a assistir serem levantados novos muros após cada demolição? Ou mais... somos dinamite que explode ou mais um tijolo da construção?
Beijos.

Diário de uma alma disse...

Apreciei muito o post e o restante do conteúdo de seu blog.
O filme "A Origem", apesar de diferente dos dois acima, também me trouxe essa sensação: qual é o mundo real, quais são as prisões?
Parabéns
Edu Gomes

Anônimo disse...

Bravo, bravo!
Seu post nos impressionou de verdade.
Muito bom, parabéns.

Link inserido com sucesso no:

http://linkandovoce.blogspot.com/

Anônimo disse...

Bom dia.

Grato por seu apoio, de verdade, vou trabalhar para beneficiar seu espaço.

O mamute está conseguindo o objetivo principal e agora unido ao Linkando.
Colocar as postagens entre as mais populares dos blogues dos amigos.

Dezenas de visitas na próxima hora.
vem de onde?
Bélgica, Portugal, Alemanha, Espanha, Hungria, Itália, Nova Zelândia, Emirados Árabes, Dinamarca, e França.
Abraço.

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