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terça-feira, 12 de julho de 2011

Reforma Urbana: estratégias espaciais como medida de homogeneização e controle - França, séc. XIX ( 2ª Parte)

Quando a revolta encontra o espaço.  1968, Paris.
Fonte: "Povos e Países", Abril Cultura, volume 1,  p.224

 ...contudo, a Cidade Luz continuou Luz, talvez, mais LUZ do que nunca...

A reestruturação interna da velha Paris teve várias finalidades. Sendo o espaço uma instância da sociedade, contendo e sendo contido pelas demais instâncias - econômica, cultural / ideológica e política -, sua essência é social e o que lhe dá vida aos objetos, isto é, o seu princípio ativo, são os processos sociais (1). A cidade, simbolicamente tomada como "escrita", pode ser compreendida quando constatamos que cada lugar muda de significação à medida que o movimento social, num dado momento, lhe atribui frações do todo social (2).
Para MUNFORD e SENNETT a segregação espacial se originou neste período. De acordo com o primeiro, a demolição da muralha foi "prática" e "simbólica": a expansão do que chamou de cidade comercial dissolveu o urbano. Na cidade comercial, o Estado passou a ser requisitado quando os interesses particulares e -  não mais os coletivos - , exigiram que este subsidiasse as obras ou doasse terras para construção de ferrovias, nos projetos expansionistas. A terra como produto no mercado de compra-venda aumentou a horizontalização / verticalização das habitações. A proliferação dos cortiços foi lucrativa e a criação dos transportes obedeceu as mesmas regras especulativas do mercado de terras. Muitas vezes, um jogo combinado em que o proprietário do cortiço era também o empreendedor nos serviços de transporte (3). Desde o princípio do século XIX, ressaltou Munfort, o Laissez-faire, em termos municipais, significou a liberdade de tais práticas em detrimento do humano(4).
A segregação espacial tornou-se assim, visível. Bairros elegantes passaram a ser edificados contrapondo-se aos pobres. Simultaneamente foram criados ou rearticulados os conteúdos originais que justificariam a ordem social emergente das ruínas do feudalismo, ditada não mais pelo poder do sangue, mais pelo poder econômico. SENNETT chamou de ecologia de quartiers (5), a esta separação, frisando: "(...) era a nova muralha que Haussmann erigira entre os cidadãos urbanos, assim como em torno da própria cidade". E continuou - "a muralha não era mais uma estrutura física"(6).
Após a intervenção da Reforma, salientou ORTIZ, o ambiente multifacetado parisiense perdeu sua característica de "imprevisto"(7), havendo um esforço entre os investidores de fazer da vizinhança uma unidade econômica homogênea, visando o tipo de área em que aplicariam os seus capitais.
A classe emergente em seu gueto específico passou a gozar do status social oferecido pela moradia social, particular, separada da violência e da deselegância - já que criava os seus próprios códigos de conduta -, do resto economicamente, desigual. Por outro lado, os boulevards de 1860 ajudaram as lojas de departamento, atraindo clientes para este local da cidade (8).
Para além da forma, a arquitetura monumental como espelho da burguesia, ambicionou a formação de outros símbolos que encarnassem o progresso e o tipo ideal burguês.  Símbolos dotados de um modernismo inspirado nas transformações tecnológicas, científicas ou, ditas científicas, da época.
Em suma, a autoridade divina das catedrais medievais, o labirinto - símbolo da alma e traçado da maioria das cidades antigas, como observou SCHNEIDER (9), foi substituído por outro autoritarismo - o triunfal do Estado, na figura de seu representante terreno e temporal, o Imperador. A França era Paris. E ela seria imitada pelos quatro cantos do mundo. 

Todavia, como o dinamismo das sociedades não cabe numa arquitetura, logo se multiplicariam as reações. Os seus desdobramentos  serão o assunto para uma próxima oportunidade...

Notas

(1) SANTOS. Milton.Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1992, p.01.
(2) Idem, p.01-02.
(3) MUNFORD. Lewis. A cidade na História. Rio de Janeiro: Martins Fontes, s/d, p.450 -465.
(4) Idem, p. 453.
      Laissez-faire é um termo empregado para designar a não intervenção do Estado nas atividades econômicas. No século XIX foi bastante utilizado nos círculos comerciais e industriais tendo sido introduzido na academia por John Stuart Mill, em 1848. Teria surgido na segunda metade o século XVII, no Journal Économique, em Paris, com o Marquês d'Argenson, que encarava o Laisses-faire como o principal fator de liberdade industrial. Os fisiocratas também utilizaram a expressão, acrescentando o Laisses-passer . Ver: AZEVEDO. Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de Nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 238.
(5) Blocos menores do que os nossos bairros.
(6) SENNETT. Richard, O declínio do homem público - as tiranias da intimidade. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p.171.
(7) ORTIZ. Renato. In: Cultura e Modernidade. São Paulo: Brasiliense,1991, p. 214-216.
(8) SENNETT. Richard, op. cit., p. 181.
(9) SCHNEIDER. wolf. A história das cidades - de Babilônia à Brasília. São Paulo: Boa Leitura Editora, s/d, p.195.






E que Paris continue excepcionalmente LUZ, 
mesmo que a queiram tornar, apenas, luz...

4 comentários:

mara* disse...

Força e muito boa sorte no seu trabalho de graduação...Ando sumida também, por falta de tempo, o trabalho está exigindo dedicação quase total...Um beijo.

Vanoska Buchholz da Costa disse...

Oi Fênix,
Obrigada pela visita, venha
sempre,e vida longa a tua
máquina, hehehhe
abraços

tecas disse...

Excelente texto, sobre a cidade luz! Porém, não sei, se a bela cidade luz,continuará a ter toda a luminusidade que a careteriza, com a situação em que está mergulhada toda a europa. Se Maio de 68, não voltará mais tarde ou mais cedo. Uma bela lição de história, professor Felix.
Bem haja pelas palavras de apoio deixadas no meu blog e desculpe a minha ausência, motivada pelo lançamento do meu livro Pleno Verbo e das apresentações seguidas.
Saudações poéticas e uma vénia.

tecas disse...

Voltei, para pedir desculpa! Troquei-lhe o nome. É Fénix e não Felix. Estou perdoada? Provavelmente foi por isso que não publicou o comentário. Mil perdões.
Saudações poéticas.

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